Encontraram um corpo na beira da estrada. Aciona a polícia científica, comunica a Central e vamos para lá.
Mesmo para quem não conhece a região foi fácil chegar ao local, a cidade inteira já sabia do ocorrido e a multidão – quase fechando a rodovia – denunciava a localização. Sob um sol escaldante nos deparamos com a cena deveras desagradável: um homem aparentando no máximo 30 anos, com as mão amarradas para trás e o corpo crivado de balas (visualmente contei uns 10 tiros, quase todos na cabeça). Características óbvias de execução.
Apesar do cenário macabro, as pessoas queriam ver mais de perto, alguns tentavam mexer no cadáver, talvez impulsinadas por uma curiosidade mórbida e até mesmo um desrespeito com o morto (ainda que desconhecido). Como já estávamos no local, era nossa obrigação impedir que modificassem o cenário já modificado. Difícil, pois muitos em sua ignorância acreditavam que “só uma mexidinha” não atrapalharia a perícia. “E se for um parente meu?”, tentavam justificar. O pior é que não dava para ser enérgico com quem desobedecia a nossa ordem/pedido, a não ser utilizando um tom ríspido quando os alertas eram dados. Qualquer outra ação mais vigorosa geraria um tumulto que não poderia ser controlado, principalmente diante do reduzido efetivo disponível. É preciso bom senso por parte de nós policiais, já que o povo normalmente não tem. Uma curiosidade nesses casos é que sempre aparece um lençol e sempre ele é branco. Parece até que existe um papa defunto onipresente com seu cobertor pronto para envolver a matéria já em decomposição.
Depois de algumas horas sendo castigado pelo inconfundível calor do sertão nordestino, finalmente o rabecão e os peritos chegaram.
- Só nessa manhã já pegamos três corpos – justifica-se um dos técnicos.
A partir daí tudo foi muito rápido. Fotos, projetéis, cápsulas… Até o momento de por o corpo no famoso “rabecão”, apelido dado ao carro fúnebre. Nessa hora não faltaram voluntários para realizar tal tarefa. Uma manhã inteira em pé não chega a ser tão desgastante (mesmo debaixo de muito calor), mas o serviço só estava começando.
Pouco depois de almoçarmos um novo chamado dava conta de que um homem morrera afogado em uma das lagoas da área. Repetição do procedimento realizado anteriormente, aporrinhamento dos populares com o agravante de que alguns conheciam o morto e, sempre ele, um pano branco.
- Como é que isso foi acontecer!?
Um novo “castigo” enquanto aguardavámos os peritos, que dessa vez foram mais rápidos (ou menos devagar). Um deles comenta:
- Serviço movimentado, hein?
- Pois é, e logo mais ainda vai ter festa na cidade e a banda que vai tocar é a “Esfereográfica” – respondo.
- Vixe! Então hoje morre mais gente por aqui.
A banda mencionada normalmente inclui em seu repertório canções voltadas para o povão e seu estilo é uma mistura do axé, swingueira, funk, entre outros ritmos em que a letra tenha duplo sentido (algumas são explícitas mesmo) e suas coreografias igualmente pornográficas. Apesar (ou por causa) disso ela é bastante famosa e é possível ter duas certezas sobre suas apresentações: casa cheia e confusão.
A festa fora realizado na rua, na praça principal e logicamente lá estávamos atentos a qualquer problema durante o evento. Antes de começar, tudo tranquilo. Durante a folia, também reinava a paz. O negócio só complicou mesmo foi depois.
Fim de festa, muita gente embriagada, ânimos alterados… Começa o “show” .
Primeiro dois rapazes discutindo, quase saindo nos tapas. Um deles havia “dado em cima” (em outros tempos, cortejado) a mulher do outro. “Você vai pra lá e vocês dois vão pro outro lado ou então vamos resolver isso na delegacia”, disse o sargento. Intimidação, normalmente funciona. Os três preferiram encerrar a brincadeira por ali mesmo – sem precisar da “ajuda” da polícia – e seguiram caminhos diferentes.
Tão logo resolvemos essa ocorrência e já se vê um grande tumulto mais na frente. Cadeiras voando, garrafas quebrando, socos e pontapés. Ápice do espetáculo. Já não cabia mais verbalizar, o jeito foi “cair pra dentro” como costumamos falar. Bastão pra cima da turba, caboclo correndo, outros caindo. Detemos os mais exaltados, que disseram “só estar se defendendo”. Sei…
No caminho para a delegacia desligamos alguns sons automotivos. O engraçado é que foi só nos afastarmos para reiniciarem a competição de qual carro é capaz de tocar a pior e mais alta música. A paz só reinou mesmo depois que apreendemos uns dois veículos. Tem gente que só aprende da maneira mais dura.
Para finalizar a madrugada um roubo de carro. Seguimos em patrulhamento pelas estradinhas de barro, matagal e rodovias esburacadas até o amanhecer, mas infezlimente sem encontrar qualquer sinal dos ladrões ou do veículo. O difícil é retornar com as mãos vazias e perceber o descontentamento da vítima com um olhar que parecia dizer: incompetentes!
Fazer o quê? Também não gostei, estava exausto e faltava pouco para meu serviço se encerrar. Retornar são e salvo para minha família e aproveitar meu curtíssimo período de folga para posteriormente encarar mais um dia de intenso trabalho. Isso é a nossa rotina, isso é o diário de um pm.
Mesmo para quem não conhece a região foi fácil chegar ao local, a cidade inteira já sabia do ocorrido e a multidão – quase fechando a rodovia – denunciava a localização. Sob um sol escaldante nos deparamos com a cena deveras desagradável: um homem aparentando no máximo 30 anos, com as mão amarradas para trás e o corpo crivado de balas (visualmente contei uns 10 tiros, quase todos na cabeça). Características óbvias de execução.
Apesar do cenário macabro, as pessoas queriam ver mais de perto, alguns tentavam mexer no cadáver, talvez impulsinadas por uma curiosidade mórbida e até mesmo um desrespeito com o morto (ainda que desconhecido). Como já estávamos no local, era nossa obrigação impedir que modificassem o cenário já modificado. Difícil, pois muitos em sua ignorância acreditavam que “só uma mexidinha” não atrapalharia a perícia. “E se for um parente meu?”, tentavam justificar. O pior é que não dava para ser enérgico com quem desobedecia a nossa ordem/pedido, a não ser utilizando um tom ríspido quando os alertas eram dados. Qualquer outra ação mais vigorosa geraria um tumulto que não poderia ser controlado, principalmente diante do reduzido efetivo disponível. É preciso bom senso por parte de nós policiais, já que o povo normalmente não tem. Uma curiosidade nesses casos é que sempre aparece um lençol e sempre ele é branco. Parece até que existe um papa defunto onipresente com seu cobertor pronto para envolver a matéria já em decomposição.
Depois de algumas horas sendo castigado pelo inconfundível calor do sertão nordestino, finalmente o rabecão e os peritos chegaram.
- Só nessa manhã já pegamos três corpos – justifica-se um dos técnicos.
A partir daí tudo foi muito rápido. Fotos, projetéis, cápsulas… Até o momento de por o corpo no famoso “rabecão”, apelido dado ao carro fúnebre. Nessa hora não faltaram voluntários para realizar tal tarefa. Uma manhã inteira em pé não chega a ser tão desgastante (mesmo debaixo de muito calor), mas o serviço só estava começando.
Pouco depois de almoçarmos um novo chamado dava conta de que um homem morrera afogado em uma das lagoas da área. Repetição do procedimento realizado anteriormente, aporrinhamento dos populares com o agravante de que alguns conheciam o morto e, sempre ele, um pano branco.
- Como é que isso foi acontecer!?
Um novo “castigo” enquanto aguardavámos os peritos, que dessa vez foram mais rápidos (ou menos devagar). Um deles comenta:
- Serviço movimentado, hein?
- Pois é, e logo mais ainda vai ter festa na cidade e a banda que vai tocar é a “Esfereográfica” – respondo.
- Vixe! Então hoje morre mais gente por aqui.
A banda mencionada normalmente inclui em seu repertório canções voltadas para o povão e seu estilo é uma mistura do axé, swingueira, funk, entre outros ritmos em que a letra tenha duplo sentido (algumas são explícitas mesmo) e suas coreografias igualmente pornográficas. Apesar (ou por causa) disso ela é bastante famosa e é possível ter duas certezas sobre suas apresentações: casa cheia e confusão.
A festa fora realizado na rua, na praça principal e logicamente lá estávamos atentos a qualquer problema durante o evento. Antes de começar, tudo tranquilo. Durante a folia, também reinava a paz. O negócio só complicou mesmo foi depois.
Fim de festa, muita gente embriagada, ânimos alterados… Começa o “show” .
Primeiro dois rapazes discutindo, quase saindo nos tapas. Um deles havia “dado em cima” (em outros tempos, cortejado) a mulher do outro. “Você vai pra lá e vocês dois vão pro outro lado ou então vamos resolver isso na delegacia”, disse o sargento. Intimidação, normalmente funciona. Os três preferiram encerrar a brincadeira por ali mesmo – sem precisar da “ajuda” da polícia – e seguiram caminhos diferentes.
Tão logo resolvemos essa ocorrência e já se vê um grande tumulto mais na frente. Cadeiras voando, garrafas quebrando, socos e pontapés. Ápice do espetáculo. Já não cabia mais verbalizar, o jeito foi “cair pra dentro” como costumamos falar. Bastão pra cima da turba, caboclo correndo, outros caindo. Detemos os mais exaltados, que disseram “só estar se defendendo”. Sei…
No caminho para a delegacia desligamos alguns sons automotivos. O engraçado é que foi só nos afastarmos para reiniciarem a competição de qual carro é capaz de tocar a pior e mais alta música. A paz só reinou mesmo depois que apreendemos uns dois veículos. Tem gente que só aprende da maneira mais dura.
Para finalizar a madrugada um roubo de carro. Seguimos em patrulhamento pelas estradinhas de barro, matagal e rodovias esburacadas até o amanhecer, mas infezlimente sem encontrar qualquer sinal dos ladrões ou do veículo. O difícil é retornar com as mãos vazias e perceber o descontentamento da vítima com um olhar que parecia dizer: incompetentes!
Fazer o quê? Também não gostei, estava exausto e faltava pouco para meu serviço se encerrar. Retornar são e salvo para minha família e aproveitar meu curtíssimo período de folga para posteriormente encarar mais um dia de intenso trabalho. Isso é a nossa rotina, isso é o diário de um pm.